Os folhetins de Júlia e as memórias de Martha
Nova publicação da Editora Ponta de Lança celebra o foco de escritas femininas em vestibulares
Tenho uma ideia vaga da casa em que nasci e onde morei até os cinco anos. Um ou outro canto ficou desenhado em meu espírito; quase tudo, porém, se perde num esboço confuso, assim abrem as memórias de Martha, figura central do folhetim de Júlia Lopes de Almeida e do novo lançamento da nossa editora do peito: Memórias de Martha, da Júlia Lopes de Almeida. E o boletim de hoje é para apresenta-lhes a edição.
Júlia Lopes de Almeida (1862-1934) entrou na lista da Fuvest, maior vestibular do país e porta de entrada para a Universidade de São Paulo. Memórias de Martha, publicado em livro em 1899, será leitura obrigatória entre 2026 e 2028, período que trará apenas escritoras em suas listas entre elas, Narcisa Amália (1852-1924), contemporânea de Júlia, Nísia Floresta (1810-1885) e Rachel de Queiroz (1910-2003).
A mudança dialoga com trabalhos acadêmicos e com a crítica literária feminista - responsáveis por uma releitura da escrita de mulheres e do universo feminino na literatura brasileira, que agora, no século XXI, têm revisitado a obra da escritora.
Nascida no Rio de Janeiro, no interior de uma família burguesa, Júlia teve acesso à educação formal desde a infância. Na adolescência produziu versos, descrições de cenas e diálogos escondida da família, conforme relembrou anos depois em entrevista concedida ao cronista João do Rio. Com a irmã, a poeta Adelina Lopes Vieira, iniciou seus primeiros ensaios de escrita. Em 1886, as duas publicaram juntas o livro Os Contos Infantis, uma das primeiras obras da literatura brasileira voltada para crianças.
Dos versos escritos na mocidade às crônicas que retratavam o cotidiano da Belle Époque carioca, a obra de Júlia Lopes de Almeida refletiu os dilemas de sua época. Como tantos escritores da virada do século XIX para o XX, a autora participou ativamente das tensões sociais do início da República no Brasil, trazendo em sua vasta produção um olhar único sobre esses desafios. Ao publicar regularmente em revistas e jornais do Rio de Janeiro, ela consolidou seu nome em um meio que, até então, era predominantemente masculino. Em 1897, a escritora foi uma das idealizadoras da criação da Academia Brasileira de Letras e, por isso, pleiteou uma cadeira na instituição: todavia, os membros fundadores argumentaram que o regulamento interno vetava a participação de mulheres. Como prêmio de consolação, seu marido, o poeta português Filinto de Almeida, foi admitido, assumindo a cadeira de número 3.
Sua ausência no mais prestigiado meio literário nacional não paralisou sua obra. Júlia Lopes de Almeida escreveu crônicas, novelas e inúmeros contos e romances, a maioria atravessados pelas temáticas do feminino e da crítica social. Apesar de ter se dedicado com afinco a diferentes gêneros literários, Júlia ficou mais conhecida por seus romances. São eles: A família Medeiros (1892), A viúva Simões (1897) Memórias de Martha (1899), A falência (1901), A intrusa (1908), Cruel amor (1911), Correio da roça (1913), Pássaro tonto (1934). A influência do naturalismo e do realismo, aliada à construção de personagens complexos que expressavam sentimentos contraditórios, confere ao conjunto da obra um estilo único e particular.
Em 1888, ano da abolição da escravidão, Júlia Lopes de Almeida escreve, para o jornal Tribuna Liberal, órgão oficial do Partido Liberal nos últimos anos do Brasil império, Memórias de Martha, em formato de folhetim. Portanto, dois anos antes d'O Cortiço, de Aluísio Azevedo. Posteriormente, em 1899, Memórias é publicado pela Casa Durski, de Campinas. O romance traz a autobiografia ficcional da personagem Martha, que rememora a sua infância e adolescência em um cortiço carioca. Desde a infância, vivida sem o pai, a personagem convive com o trabalho árduo da mãe, que se dedica a lavar e passar roupas para sustentar a si e a filha. O empobrecimento, a exclusão social no espaço urbano do Rio de Janeiro, os amores, a relação entre mãe e filha, as convenções sociais e a importância da educação para mulheres são temas que compõem o enredo. A narrativa em primeira pessoa, a reprodução de diálogos e o monólogo interior da protagonista evidenciam os conflitos vivenciados com outros personagens.
CONQUANTO DE HÁ MUITO brilhantemente provado o talento da autora, não se podem imaginar as delicadezas de pensamento e estilo, a imaculada pureza de conceitos, a justeza e a finura de observação e de análise psicológica, o encanto de narrativa que se encontram nas Memórias de Martha.
Agradaram-nos tanto, que desde logo resolvemos oferecê-las à intenção e apreço dos nossos leitores, previamente certos de que nos haviam de dar os parabéns pela escolha.
Aos merecimentos que com justiça encarecemos, reúne este trabalho literário os de ser original brasileiro e escrito por uma senhora.
Comemoremos a publicação das Memórias de Martha.
— Trechos extraídos do anúncio da publicação em folhetim no jornal Tribuna Liberal do Rio de Janeiro em 2 de dezembro de 1888.
Contemporânea de Machado de Assis e João do Rio, Júlia tinha a qualidade de sua escrita reconhecida pelos grandes autores da época Ainda assim, mesmo participando de uma rede de escritoras com produção ativa e de destaque, praticamente desapareceu dos compêndios da literatura brasileira no decorrer do século XX.
Ao inserir Memórias de Martha na lista obrigatória do vestibular, a Fuvest reconhece o valor estético e histórico de uma obra que permanece atual e em diálogo com outros textos de memória escritos por e sobre mulheres. Para os(as) leitores(as), é também uma oportunidade de conhecer as características de uma das obras mais importantes de Júlia Lopes de Almeida.
— Márcia Juliana Santos, na Apresentação do livro
SOBRE ESTA COLEÇÃO
A coleção LEITURAS OBRIGATÓRIAS é um convite ao conhecimento das obras clássicas brasileiras que apresentem um painel de época e nos ajudem a compreender nossa história e interpretar o presente.
Com edições cuidadosas e acessíveis para estudantes e leitores experientes, a coleção estreia com três títulos da lista da Fuvest 2026:
📖 Memórias de Martha, de Júlia Lopes de Almeida (ficção)
📖 Nebulosas, de Narcisa Amália (poesia)
📖 Opúsculo Humanitário, de Nísia Floresta (não ficção)
Cada livro conta com apresentação e exercícios específicos para o vestibular, auxiliando na preparação para a prova.
Júlia Lopes de Almeida escreveu sobre mulheres silenciadas. Agora, sua história será lida por muitos. Em Memórias de Martha, ela dá voz a quem também era deixado de lado: um jovem moradora de cortiço, lidando com a exclusão, o trabalho e as duras regras da sociedade. O tempo passa, mas a escrita permanece.
O livro já está à venda na livraria Ponta de Lança e no nosso site — já dá pra garantir seu exemplar!
Boas leituras :)