Nestes dias quentes de ve-, opa, de inverno que passaram e que virão, cada vez menos conseguimos passar longas horas lendo. Dois capítulos e já precisamos de um copo de água gelada, de um sorvete ou de uma ducha. Por isso, selecionamos livros curtos-breves-ágeis para nos acompanharem neste calor, que dá pra ler em uma sentada só — ótimas companhias para levar ao parque, ao café, à praia…
Do ensaio à ficção, os títulos aqui reunidos são garantia para trazer um refresco à nossa mente e um ânimo à nossa vida.
Escrita em movimento, de Noemi Jaffe
É possível aprender a produzir ficção, da mesma maneira como se estuda outros ofícios? A proposta deste livro é que, se existe algum jeito de ganhar esse conhecimento, não é através de truques ou manuais, mas sim pensando a escrita de modo aberto e livre, através de preceitos norteadores que perpassam a linguagem. O livro mergulha dentro do processo da escrita, desde a busca pela originalidade até as primeiras experimentações literárias.
Noemi Jaffe sintetiza seus ensinamentos de décadas como professora de oficinas literárias em sete princípios fundamentais, acompanhados por entrevistas com diferentes autores de destaque, como Beatriz Bracher, Milton Hatoum, Eliana Alves Cruz.
Um livro para escritores (iniciantes ou experientes) e curiosos (iniciantes ou experientes).
A pedra da loucura, de Benjamin Labatut
Benjamín Labatut, autor chileno que também escreveu Quando deixamos de entender o mundo, mergulha na descoberta do caos para tentar remover a pedra da loucura que cresce como um bulbo em nossa testa, enquanto o mundo toma formas nas quais não podemos mais acreditar. Nos dois ensaios que compõem este livro, o autor nos lembra que às vezes enlouquecer pode ser uma resposta adequada à realidade, e que o preço que pagamos pelo conhecimento é a perda da compreensão.
A partir de uma pintura de Bosch, do terror atávico de Lovecraft, da lógica radical de David Hilbert e de uma iluminação delirante de Philip K. Dick, Labatut compõe a pergunta: A realidade está além do nosso alcance?
Asas, de Mikhail Kuzmin
Uma história de amor! Gay! Com final feliz! E russa? Pois é, franco e afirmativo, Asas tornou-se um dos textos-chave da história da literatura queer ao apresentar uma narrativa que fala de forma aberta e naturalizada sobre o amor entre homens, algo inédito até então nos romances russos.
Com ares de romance de formação, o enredo tem como protagonista o jovem Ivan Smúrov, ou Vánia, que sai do interior para estudar em São Petersburgo, onde vai morar com a família de um tutor e estabelece uma relação especial com Natália, filha do anfitrião. As cenas se desenvolvem no ambiente da classe alta culta, em que se destaca Stroop, sujeito refinado e muito desenvolto, que não esconde a natureza de sua relação com outros homens e se tornará uma espécie de mentor, ao tempo temido e admirado pelo rapaz. Num meio propício a maledicências, Vánia tenta se afastar do amigo, sem sucesso, enquanto dá início a um novo aprendizado de arte, história e sentimentos.
A obra de Mikhail Kuzmin (1872-1936), com tradução de Francisco de Araújo, foi publicada em 1906 e obteve notoriedade imediata – se por um lado os críticos conservadores rejeitavam sua ousadia, grande parte do público passou a admirar o escritor.
A história invisível, de Sofia Nestrovski
Sofia, ou bisnaguinha, a menina que “passa os dias conversando com as próprias ideias”, tinha um único desejo: tornar-se invisível. Após fazer esse pedido em seu aniversário de sete anos e tê-lo realizado, a pequena se vê livre para andar pelos lugares mais mágicos do mundo, numa aventura que todos nós gostaríamos de ter a oportunidade de vivenciar.
A história invisível nos leva por caminhos poéticos e cheios de imagens que trazem alento para a rotina, ao mesmo tempo que nos lembra de como a infância também pode ser dolorosa. Ao acessar essa via dupla de sensações íntimas vislumbramos que criar uma realidade na qual haja espaço para fantasia nos apresenta outras formas de estar no mundo. Imaginar um mundo repleto de novidades pode se converter em um recurso para devolver o espanto e o deslumbramento ao nosso cotidiano e talvez seja a nossa única esperança para dias tão difíceis.
O livro é semifinalista do Prêmio Oceanos 2023!
Querido Diego, sua Quiela, de Elena Poniatowska
Vencedora do Prêmio Cervantes (2013), a jornalista e escritora mexicana Elena Poniatowska parte de um fato real, o relacionamento entre o reverenciado pintor mexicano Diego Rivera e a pintora russa Angelina Beloff, para elaborar uma registro pungente e comovedor sobre amor, entrega, dependência e a posição da mulher e da arte no começo do século XX.
As cartas que Angelina escreve ao marido, o pintor Diego Rivera, sem obter resposta, reconstroem o cotidiano de Paris na época da Primeira Guerra Mundial e suas vanguardas artísticas, demonstra sua devoção incondicional ao marido e fala de sua busca artística. Uma história comovente; sensível e brutal ao mesmo tempo.
Um amor de filha, de Hanaide Kalaigian
Descendente de armênios, Meliné cumpriu todas as expectativas ancestralmente depositadas nela, mas um dia, em um telefonema, uma notícia invade seu mundo na frequência de um abalo sísmico. Incapaz de lidar com a mudança, Meliné mergulha em suas origens procurando se abrigar nas lembranças e particularidades da cultura armênia.
Nesse processo, vive a delicada tensão entre submeter-se ou libertar-se de uma tradição que oprime, mas também acolhe; que amarra, mas também afaga; que protege, mas também limita.
Em Um amor de filha, Meliné compartilha protagonismo com a saga de sua família e as tradições da comunidade armênia. Assim, abre espaço para pensarmos a relação entre mãe e filha e a condição feminina. Tudo isso a partir de um ponto de vista até agora pouco explorado na literatura brasileira.
Quem matou meu pai e Lutas e metamorfoses de uma mulher, de Édouard Louis
Dupla de livros, do autor francês contemporâneo Édouard Louis — uma ótima leitura para os amantes de Annie Ernaux.
“Não tenho medo de me repetir, porque o que escrevo, o que eu digo, não atende às exigências da literatura, mas às da necessidade e da urgência, às do fogo”, é o que diz o autor a certa altura. Esse é o tom de manifesto inadiável que percorre a narrativa e se faz sentir na figura do pai doente e moribundo, que Louis visita para prestar ajuda, mas, acima de tudo, em busca de reconciliação. As lembranças dos tempos em que a família vivia na pequena cidade de interior, marcadas pela frieza do pai homofóbico e autoritário, aos poucos vão se transformando em acusações à classe política, numa crítica direta às formas de opressão, à imobilidade e à desigualdade social.
Depois de encontrar uma foto da mãe ainda jovem, com uma alegria transbordante estampada no rosto, o autor se pergunta como aquilo algum dia pôde acontecer, já que a vida dela sempre lhe parecera um quadro triste e sombrio. Através dessa foto, traçando a arqueologia da destruição da mãe, ele descobre uma mulher vigorosa que sobreviveu àquilo que deveria tê-la destroçado. É só aos 45 anos, quando decide abandonar o segundo marido — “Pronto. Eu consegui” —, que ela enfim pode se declarar livre. Neste livro, continuando seu ambicioso projeto autobiográfico, Édouard Louis conta a história de libertação da mãe, “que lutava pelo direito de ser mulher contra a não existência que lhe impunham”.
Boa terça, boas leituras e bom calor!