Hoje é dia de trazer à memória a Revolução dos Cravos que aconteceu há cinquenta anos atrás e comemorar a luta que derrubou a ditadura do Estado Novo de António de Oliveira Salazar e implementou um governo democrático em Portugal, após 48 anos.
A Revolução de 25 de Abril contou com uma atuação da população civil, exilada, política, artística e intelectual diante da insatisfação com o regime autoritário mais extenso da Europa Ocidental.
As repercussões desse movimento não ficaram só em Portugal, mas também impulsionaram o processo de independência das colônias portuguesas na África, e chegaram até o Brasil, onde o movimento foi visto como sinal de esperança diante da ditadura militar que acontecia no país.
Os livros aqui apresentados abordam o antes, o durante e o depois da revolução, e suas reverberações tanto em escalas (inter)nacionais quanto individuais. Abaixo, a música Grândola que inspirou a luta. Para ler mais, só clicar aqui.
E agora, as leituras…
Novas cartas portuguesas, de Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa
Um livro revolucionário que é um marco do feminismo no século XX, que impactou a Revolução dos Cravos e a vida das mulheres em Portugal e no mundo.
Este livro tem tanto de gênio literário quanto de resistência ao Portugal fascista de 1971. Partindo de Lettres portugaises — um clássico romance epistolar do século XVII —, as “Três Marias”, constroem aqui uma espécie de coletânea pessoal. Subvertendo o conceito tradicional de autoria, elas vão se escrevendo cartas, contos, ficções, poemas, ensaios, que compõem um todo dificilmente categorizável e extremamente inovador. Reclamam em seus textos o direito à plenitude da existência política, econômica, social, cultural e sexual das mulheres. E fazem-no de uma forma, a todos os níveis, revolucionária.
Salazar e os fascismos: ensaio breve de história comparada, de Fernando Rosas
Nas discussões sobre o fascismo, costuma-se deixar de fora dessa classificação o Estado Novo português, que teve António Salazar à sua frente a partir de 1933. Será que esse governo ditatorial, que só caiu na Revolução dos Cravos de 1974, está mesmo distante das outras experiências europeias? Em Salazar e os fascismos — Ensaio breve de história comparada, premiado pela Academia Portuguesa da História, Fernando Rosas investiga a tradição autoritária que elegeu líderes como Adolf Hitler e Benito Mussolini, detendo-se sobre o salazarismo numa análise à luz de tais fascismos europeus. A reflexão sobre esse momento histórico o lança para a atualidade, num esforço de apreender as semelhanças com a onda conservadora que toma o mundo nos anos recentes. Lira Neto, autor da celebrada trilogia sobre Getúlio Vargas e de biografias de outras importantes figuras da cultura nacional, assina a orelha da edição.
Guarda um cravo para mim, de Rodrigo Pezzonia
No dia 25 de Abril de 1974 um golpe de Estado protagonizado por militares envolvidos em uma dura guerra colonial pôs fim a uma das mais longevas ditaduras do século XX, a ditadura do Estado Novo português. A queda do regime salazarista mexeu com corações e mentes em todo o mundo. Como não poderia deixar de ser, no Brasil, que vivia sob uma feroz ditadura, não foi diferente. As canções de Chico Buarque, “eu queria estar na festa, pá”, “esta terra ainda vai cumprir seu ideal, ainda vai tornar-se um imenso Portugal”, embalaram o sonho de novos tempos na antiga colônia portuguesa.
Para além dos desejos acalentados, a Revolução dos Cravos possibilitou também o embarque de inúmeros brasileiros que, espalhados pelo mundo em doloroso exílio, viram na “estação Lisboa” abrigo e porto seguro. A história desses brasileiros é contada por Rodrigo Pezzonia no livro que o leitor tem às mãos. Uma história política de projetos quanto ao futuro. De renascimento e rejeição do trabalhismo; de reformismos e revolucionarismos. Mas é também uma história de vida. De ausências, de saudades e de cotidianos nem sempre acompanhados do glamour que muitas vezes vemos narrados em relatos e memórias. Uma narrativa de tristezas e de alegrias. E, claro está, de novos comportamentos. Para muitos deles, Lisboa foi o último porto antes do retorno ao Brasil. Talvez um porto algo generoso para homens e mulheres que viajaram à revelia de suas vontades por terras física e simbolicamente mais distantes. Dialogando com literatura especializada e excelente volume documental, Rodrigo Pezzonia inscreve seu nome no rol dos historiadores especializados nessa rica história marcada por vivências múltiplas que é a história do exílio.
Os Memoráveis, de Lídia Jorge
“Há uma estupidez inerente às coisas, como também há uma sabedoria, e essa realidade bipolar ora nos mostra a face esquerda, ora nos mostra a outra face.” Alguém memorável é alguém que merece ser lembrado, ou guardado na memória, pelo que fez. Não é necessariamente um herói, já que a vida e os seres humanos são bem mais complexos do que podemos perceber tanto no dia a dia quanto nos grandes acontecimentos, mas alguém que pode ter vários rostos. Todos eles, de algum modo marcantes. E convém que não deixemos de encará-los. “Ninguém é apenas uma foto fixa”, diz Lídia Jorge, a mais consagrada autora da literatura portuguesa contemporânea. E é justamente a partir da fotografia de um grupo de homens e duas mulheres, tirada num restaurante, em agosto de 1975, que a protagonista deste romance inicia uma viagem de volta ao passado para entender de que país veio, de que povo faz parte e que histórias pessoais a fizeram nascer e a constituem para sempre.
Ela, uma repórter portuguesa residente em Washington, é convidada a voltar à sua terra natal para fazer um documentário sobre a Revolução de 25 de abril de 1974, também conhecida como a Revolução dos Cravos. Regressa a Portugal e passa a entrevistar integrantes do movimento revolucionário e testemunhas dos acontecimentos, revisitando os mitos da revolução. Ao fazer isso, surpreende-se com o efeito da passagem do tempo não só sobre esses homens e mulheres e sobre a sociedade, mas também sobre a sua própria memória, sobre seus anos de infância e início de juventude – já muito depois de a revolução se tornar passado – e sobre a relação que tem com os pais, um jornalista português que antecipava o futuro em suas crônicas e uma atriz belga. Sobreviventes de um tempo já inalcançável, as personagens de Os memoráveis tentam recriar o que foi a ilusão revolucionária e a desilusão dos anos seguintes – ou, simplesmente, a ilusão e a desilusão da própria vida – e o árduo caminho para a democracia, quando se tem de lidar com a banalidade do cotidiano. Em Os memoráveis, Lídia Jorge procura surpreender aquele espaço indefinido que existe entre o relato das verdades históricas, às vezes difíceis de enfrentar, e a vida em si, uma construção da imaginação e da vontade de cada um de nós e o resultado final é a literatura em sua melhor expressão: nos revelando a nós mesmos.
Balada da praia dos cães, de José Cardoso Pires
Um romance considerado um marco na história da literatura policial e um fascinante estudo sobre o medo. Dois presos políticos, o major Dantas C., 46 anos, casado, e o arquiteto Fontenova, 25 anos, conseguem fugir da cadeia militar onde aguardavam julgamento por conspiração revolucionária. Na fuga, colaboram um jovem cabo que prestava serviço no presídio e a amante do major, Mena, ex-estudante universitária. Assim começa Balada da praia dos cães, trazendo uma impressionante história de assassinato baseada em fatos reais e sob o comando de uma figura carismática, o major Dantas C. O livro foi realizado a partir do relato do homem acusado como coautor do crime e de relatórios policiais, o que proporciona ao leitor uma sensação de proximidade e verossimilhança muito forte.
O Riso dos Dias - O 25 de Abril, Angola 1974-1975 e Três Histórias de Amor, de Carlos Americos Bras
A ação gira em torno dos membros de três gerações da família Simões e cada um dos seis capítulos do livro é centrado em pessoas, locais ou factos autonomizados, como evidenciam os seus títulos. Sendo um romance e não um conjunto de contos é, porém, natural que as personagens caminhem e se cruzem ao longo das diferentes partes. O narrador, por seu lado, tem pretensões a misturar-se com as personagens e muda frequentemente de voz. E vai do pícaro ao profundo sofrimento, passando pelo circunspecto.
Caderno de memórias coloniais, de Isabela Figueiredo
Genial acerto de contas da autora com o passado colonial de Portugal e com seu pai, um eletricista português radicado em Moçambique. O pai parece personificar Portugal: despreza e explora os nativos. Tudo isso é visto pelos olhos de Isabela, que lá nasceu em 1963 e voltou para Portugal nos anos 1970, durante o contexto da descolonização. O livro tem origem num blog da autora, canal pioneiro para tentar trazer mais realidade à narrativa edulcorada do Portugal africano. Até então, havia uma enxurrada de memórias cor de rosa e piedosas de brancos que cresceram nas colônias portuguesas e que nunca tratavam das questões reais e duras do passado, como a exclusão da população local negra.
Os cus de Judas, de António Lobo Antunes
Logo depois de voltar da guerra em Angola, António Lobo Antunes escreve Os cus de Judas sobre suas experiências naquele país. O romance se tornou um enorme sucesso, vindo a ser o primeiro grande livro sobre o conflito e a independência angolanos e uma referência histórica obrigatória. Numa narrativa não-linear e fragmentada, Lobo Antunes revela as inquietações existenciais de um ser humano, na indelével experiência de uma guerra, que se misturam às memórias de infância e juventude na Lisboa salazarista. O autor utiliza-se, na maior parte do romance, do fluxo de consciência e da associação de ideias, para construir a história e o perfil de seu narrador-protagonista, um personagem que, a partir de "uma dolorosa aprendizagem da agonia", vê sua vida e seus valores estilhaçados pela melancolia. O que lhe resta são fragmentos de memória - a criança que visitava com os pais o jardim zoológico aos domingos, o jovem que assiste impassível a seu futuro sendo traçado pela autoridade inquestionável de uma família salazarista, o adulto apático e frustrado diante da violência que lhe retira as rédeas e o sentido da vida.
O leitor vai estar frente a frente com "decadência, putrefação, pestilência e morte. Adicionando canalhice, violência e insensatez". Para o jornalista português Nuno Barbosa, "Lobo Antunes, dando plena expressão a uma escrita impiedosa e grosseira consegue uma harmonia preciosa entre a violência do narrado e a rudez dos termos utilizados - as suas palavras ganham, portanto, uma credibilidade muito maior, criando um elo profundo com a realidade."
Sobre o fascismo, a ditadura portuguesa e Salazar, de Fernando Pessoa
Seguimos o princípio contrário ao do tio Mussolini e ao do abade Lenine. Desoprimir! Tornar os outros diferentes do que nós queremos! Ensinar cada homem a pensar pela sua cabeça e a existir com a sua existência — só com a sua existência. —Fernando Pessoa, 1925. Este volume reúne pela primeira vez todos os escritos de Fernando Pessoa sobre o fascismo, a Ditadura Militar portuguesa iniciada em 1926 e o regime de Salazar que lhe sucedeu. Metade desses textos permaneceram inéditos até agora. Entre 1923 e a sua morte, em 1935, Pessoa assistiu ao advento do autoritarismo político: o triunfo do fascismo em Itália, a instauração de ditaduras militares em Espanha e Portugal, a tomada do poder pelos nazis na Alemanha e a formação do Estado Novo de Salazar. Seu pensamento político seguiu um trajeto sinuoso e hesitante, que o levaria da crítica demolidora da República democrática a uma defesa condicional da Ditadura Militar e, por fim, à rejeição do salazarismo. Pessoa foi uma voz pioneira na rejeição simultânea do comunismo e dos fascismos. Nacionalista místico, individualista radical e conservador liberal de “estilo inglês”, acabou silenciado pelo regime de Salazar quando interveio publicamente em nome da liberdade do espírito e da dignidade humana.
Coral e outros poemas, de Sophia de Mello Breyner Andresen
O mar é um dos elementos centrais da lírica de Sophia de Mello Breyner Andresen. As "praias lisas", a "linha imaginária" e as "ondas ordenadas", em seus poemas, simbolizam a mais profunda beleza, um segredo íntimo, "um milagre criado só para mim".
Nas cidades, sua poesia é associada à luta: a vida, no "vaivém sem paz das ruas", é "suja, hostil, inutilmente gasta". A atuação de Sophia em resistência ao salazarismo se firmou não apenas em sua escrita, com caráter combativo, mas também na Assembleia Constituinte, ao se eleger deputada pelo Partido Socialista, em 1975.
Esta antologia joga luz sobre a dimensão concreta e ao mesmo tempo misteriosa de uma das vozes mais cultuadas da literatura portuguesa. Seja para denunciar o mundo sombrio, seja para tratar de praias radiantes, a poeta -- com sintaxe direta e imagens surpreendentes -- alerta: "por mais bela que seja cada coisa/ Tem um monstro em si suspenso."
Eliete: a vida normal, de Dulce Maria Cardoso
A vida familiar, de esposa e mãe dedicada, começa aos poucos a sufocar Eliete. Nascida em 1975, ano da Revolução dos Cravos, ela sempre desejou uma vida normal, que aparenta ter conquistado quando chega aos 42 anos. Mas essa percepção muda com a notícia de que a avó foi hospitalizada, evento que desencadeia uma investigação sobre sua vida. Aos poucos, as inquietações crescem no interior de Eliete, consumindo não só seu passado, mas também o relacionamento distante com o marido e com as filhas. Em fuga desse cenário turvo, ela então decide refugiar-se no Tinder, onde finge ser outra pessoa, e os encontros que surgem transformam a vida dessa mulher e a maneira como ela se enxerga.
Boas leituras,