É como se a livraria respirasse melhor quando livros novos chegam.
As últimas semanas foram de revivescência nas estantes. Com o peito determinado, fomos atrás de publicações não antes vistas pelo esqueleto amadeirado da Ponta, e juntamos todas aqui. Com uma pequena apresentação da casa editorial e poucos dos vários títulos que agora nos fazem companhia, o boletim de hoje põe em cena os títulos recém-chegados na livraria — que anseiam por leitores.
Dantes Editora
A Dantes está em atividade desde 1994. Publicam livros que se transformam em ciclos de estudos, exposições, encontros, jardins e muito mais. A linha editorial segue uma longa pesquisa sobre a vida. Se, inicialmente, partem de experiências históricas e humanas aos poucos nos aproximamos de perspectivas menos antropocenas e mais vegetais. Para a editora, os livros conduzem saberes e conhecimentos no tempo e no espaço, como naves. Editamos poucos livros, cuidamos de sua jornada.
Metamorfoses, de Emanuele Coccia
Todo ser passa pela metamorfose. É a experiência elementar e originário da vida, a que define suas forças e seus limites. Desde Darwin, sabemos que qualquer forma de vida – o ser humano incluído – é apenas a metamorfose de uma outra, muitas vezes já desaparecida. Do nosso nascimento a nossa alimentação, nós todos passamos por essa experiência. No ato metamórfico, mudança de si e mudança do mundo coincidem. Afirmar que qualquer vida é um fato metamórfico significa que ela atravessa as identidades e os mundos sem nunca passar por elas de forma passiva. Esse livro inovador joga as bases de uma filosofia da metamorfose.
Umbigo do Mundo, de Francy Fontes Baniwa HipamaalheFrancisco Luiz Fontes Baniwa Matsaape
“Umbigo do mundo é um acontecimento literário e antropológico que merece ser celebrado. Fruto “de uma conversa do narrador com sua filha mulher”, conforme as palavras da autora, Francisco e Francy nos conduzem por uma trilha cosmológica pelas paisagens do Noroeste Amazônico, convidando-nos a sintonizar a sensibilidade e a imaginação em entidades, bichos, plantas, lugares e acontecimentos de um tempo ancestral — e que continua a reverberar. O ciclo de vinganças entre eenonai e hekoapinai, os cantos e benzimentos, as ações e transformações de Ñapirikoli, Amaro, Kowai, Kaali e Dzooli, tudo isso compõe o quadro de uma verdadeira epopeia amazônica, pela voz dos Baniwa ou Medzeniakonai. Ao longo destas páginas, o multilinguismo da região se faz presente no modo como o nheengatu e o baniwa se trançam ao português, em doses, trazendo ao leitor uma amostra da complexidade da arte verbal dos narradores rio-negrinos. Umbigo do mundo, assim, é uma confluência entre diferentes rios de saberes, aproximando-se dos livros da constelação Narradores indígenas do Rio Negro a partir da transdisciplinaridade da constelação Selvagem, como um capítulo especial da florescente antropologia indígena.
Com originalidade, Francy Baniwa alterna as vozes de narrador, de personagens e de etnógrafa, compartilhando, por meio de sua generosa e corajosa escrevivência, afetos e conhecimentos de seus parentes, do rio, da roça e da floresta. As ilustrações que acompanham o texto, do artista Frank Baniwa, irmão da autora, exprimem aquela modalidade da arte indígena contemporânea que tem registrado em cores e formas as ações e personagens de narrativas tradicionalmente orais, compondo uma singular obra verbo-visual, povoada de sensível intimidade com a mata e seus seres. Seguir este selvagem roteiro é como embarcar em uma floresta de mundos, ou como pôr lentes para mirar o mundo como floresta. Umbigo do mundo é a proclamação, desde o Alto Rio Negro, de que o centro do mundo se encontra mesmo na Amazônia, ou ainda, de que o centro está em toda parte, de todo modo, de que os formigueiros urbanos não são a exclusiva morada dos acontecimentos que atravessam a vida humana e mais que humana.
Carta Psiconáutica, de Pedro Luz
Nas tradições de inúmeras culturas, ao longo da história da humanidade, plantas psicoativas têm sido usadas para diversos fins em contextos sagrados, de cura e outros. Tais plantas, na modernidade, foram recuperadas para experiências sensíveis por parte de psiconautas, interessados em explorar seus efeitos bioquímicos e fisiológicos ou os estados místicos decorrentes da sua ingestão. É de maneira leve, agradável e bastante didática que o antropólogo e etnobotânico Pedro Fernandes Leite da Luz nos oferece esta instigante e muito bem desenhada Carta Psiconáutica.
Arte & Letra
A Arte & Letra começou como editora com a proposta de publicar livros que gostaríamos de ler: títulos nos quais acreditamos como editores e leitores. É desde 2006, portanto, que buscamos ir além do vender livros. A seleção cuidadosa dos títulos, a experiência com o leitor na livraria de rua e o trabalho de encadernação artesanal no nosso Laboratório Gráfico fazem da Arte & Letra um ecossistema. A Arte & Letra acredita que se todas as pessoas lessem, o mundo seria (muito) melhor.
A leitora incomum, de Virginia Woolf
Os cinco ensaios reunidos neste livro foram escritos entre 1919 e 1929 e publicados em suplementos e revistas literárias. Os textos mostram que além de ser uma ficcionista, Woolf era uma leitora muito atenta, com perspicaz senso crítico. A compreensão que ela tem do leitor, da leitura e do ofício de escrever explicam o porquê ela ser uma das escritoras mais importantes do século XX, responsável por técnicas como a do fluxo de consciência, por cenas cinemáticas e as digressões que adentram as camadas da narrativa. Além do profundo conhecimento da Virginia sobre o tema é preciso falar do cuidado com a tradução, que opta por manter o ritmo da escrita tão peculiar da Woolf.
Como explicitado no famoso ensaio Um teto todo seu, mesmo sendo de uma família aristocrata, Virginia Woolf não teve permissão de frequentar a universidade, dessa forma fazendo de sua escrita não apenas uma escolha estética, mas acima de tudo de autonomia e política, de forma que não se parecesse em quase nada com a escrita de outros autores e ainda assim fosse profundamente certeira e bem escrita.
Todos os textos desta coletânea fazem parte do livro Granite and Rainbow organizado por Leonard Woolf e publicado em 1958. Sobre o título, A Leitora Incomum, ele remete ao livro de ensaios que a própria Virginia organizou e publicou chamado O Leitor Comum.
Romances Tolos de Romancistas Tolas, de George Eliot
O ensaio Romances Tolos de Romancistas Tolas, publicado em 1856 pelo periódico mencionado, e finalmente traduzido para o português brasileiro pela Thalita Uba, é um bom exemplo para pensar como acontecia a construção muitas vezes cruel, porém cirúrgica, de uma mente que pensava o gênero do romance de forma bastante atenta, principalmente quando escrito por mulheres. Nesse texto a autora trabalha em um argumento bastante específico sobre romances que chama de tolos, escritos em sua maioria por mulheres aristocratas e que faziam parte de um nicho do que se chamaria hoje, de maneira pejorativa, de romances femininos, chick-lit e textos do gênero que o senso comum inclusive associa diretamente com a escrita de mulheres e que até o momento contemporâneo ainda movimenta a crítica literária rotineira." Emanuela Siqueira.
As lembranças do porvir, de Elena Garro
Elena Garro é um dos grandes nomes da literatura mexicana e é fundamental para se compreender uma das literaturas mais importantes do mundo. As lembranças do porvir (1963), escrito quatro anos antes de Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez, é considerado o início do Realismo Mágico, o gênero que marcou toda a América Latina durante os anos 60 e 70. Garro rechaçava o gênero, afirmando que era “apenas um rótulo para aumentar as vendas”. Entre seus temas mais comuns estão a marginalização das mulheres, o racismo e a liberdade política. As Lembranças do Porvir fala sobre um pequeno povoado mexicano que é dominado de forma cruel e sanguinária pelo general Francisco Rosas e seus homens. Uma história de resistência e violência, porém acima de tudo de amor e sobre como, em meio ao horror e à crueldade, este seja o sentimento mais forte, mesmo que nem sempre isto seja uma coisa boa. Elena Garro e toda a sua obra estavam inéditas no Brasil.
Quixote+DO
A união da editora Quixote com a editora DO nasceu de uma paixão em comum: a vontade de espalhar pelo mundo histórias e conhecimento por meio dos livros, ainda que em diferentes formatos, sem abrir mão do objeto-livro. A preocupação em manter o livro vivo e desejado traduz o compromisso da editora com a geração atual e futura: que nunca lhes falte o prazer de ter ao alcance das mãos um bom livro.
Desde 2017, a Quixote+Do dá voz a histórias e ideias de autores e autoras e se destaca como porta de entrada para aqueles que pela primeira vez se encorajam a publicar suas produções. Como bons mineiros, damos acolhida a todo projeto que bate à nossa porta, abraçando com respeito e profissionalismo clientes e colaboradores, sem deixar de lado o compromisso com a qualidade do resultado para autores e leitores.
Longe, aqui. Poesia incompleta (1998-2019), de Maria Esther Maciel
Breves cotidianos, com seus aromas variados (chás acompanhados por finos biscoitos poéticos) e um enternecer pelas simplicidades da vida – folhas, plantas, cães e gatos, receitas, os objetos de casa, os cheiros dos dias, as lembranças redescobertas. A produção de Maria Esther Maciel ganha agora a reunião Longe, aqui, poesia incompleta (Quixote + Do Editora, com Tlön Edições), com poesia e prosa de 1998 a 2019. A obra traz o inédito O livro das sutilezas (2019, com ilustrações de Julia Panadés), além de O livro de Zenóbia (2004, ilustrado por Elvira Vigna) e Triz, de 1998, que volta com novos poemas dos anos seguintes. Em seu percurso, iniciado em 1984, a autora vem iluminando os acontecimentos da vida comum de uma forma particular. O reconhecimento não tardou e ela foi finalista de premiações de destaque no Brasil e no exterior, como o Jabuti, o Portugal Telecom de Literatura e o Casa de las Américas.
Introdução à Esquizoanálise, de Gregorio F. Baremblitt
A nova edição, a primeira desde o falecimento do autor (2021), chega em um momento em que a Esquizoanálise, inaugurado pela obra conjunta do filósofo Gilles Deleuze com o psicanalista Félix Guattari e formulada pela primeira vez no livro O Anti-Édipo (1972), tem despertado mais interesse e provocado debates no Brasil e no mundo.
Introdução à Esquizoanálise é fruto do compilado de várias aulas realizadas por Baremblitt, que antes eram transcritas e distribuídas a pedido dos alunos e alunas – o que lhe confere uma atmosfera intimista e acessível, acrescido de palestras, revisões e novos textos do autor.
Baremblitt, neste livro, nos apresenta sua leitura singular da obra de Deleuze e Guattari denominada esquizoanálise, introduzindo de forma didática, o que ele considerava como seus principais esquizoemas. Trata-se de um mapa, que permite ao leitor entrar por quaisquer dos capítulos, realizando seu percurso de acordo com seus desejos e interesses.
A livraria branca, de Maria Helena Lira
“Todos os livros brancos parecem ter sido escritos na língua branca”. Comecemos nossa leitura deste livro branco por aí e pensemos: de onde vêm estas imagens de Maria Helena Lira? Elas nascem das fotografias cuidadosamente escolhidas pela escritora para compor seu livro? Ou é mesmo sua escrita, tão fotográfica quanto as imagens visuais que introduzem e se introduzem nos textos, o que evoca essa visualidade? Ao ler este livro branco, o que me ocorre, uma vez mais, é que a literatura possui sua própria capacidade de imajar: são imagens soletradas, que trazem só letras em sua composição, mas que evocam um mundo às vezes inimaginável: o mundo branco de uma livraria branca, numa cidade que aos poucos vai se tornando iluminada pelo branco. “Mas que instância é esta dentro de mim, que me faz sentir tanto medo, um medo físico de algo que ainda está e somente está no nível da palavra?” – eis a voz-testemunha a sugerir que tudo, neste texto, nasce e morre nas palavras. Fiquemos com as imagens soletradas e com as cores sutis que iluminam este livro branco em que as palavras têm peso. Às vezes, elas nos falam apenas de peras esquecidas na mesa de jantar. Mas é preciso lembrar: elas são ásperas. Por isso, talvez, evoquem o desejo de “ser simples e ainda assim existir”. E evoquem, então, uma certa perenidade diante do efêmero que nos atravessa, a cada instante, ao ler este livro que desenha, no invisível, a imagem de uma carta-letra feminina, a derramar água de uma bilha para outra: a Temperança. — Lucia Castello Branco.
Kapulana
A Kapulana é uma editora voltada para a publicação e divulgação de obras do Brasil e de países como Angola, Moçambique, Nigéria, Portugal, Quênia e Zimbábue. A proposta é ampliar e apresentar as diversas linguagens literárias aos leitores brasileiros. A seleção de títulos – com foco em autores e livros que ainda não têm ampla visibilidade no Brasil – apresenta múltiplas identidades, com temas e cenários que expressem seus valores socioculturais.
O foco da Kapulana está apontado para autores e obras que contemplam questões marginais, ou seja, que estão à margem do comumente tratado nas mídias e no mercado editorial. Assim, o grande tema do catálogo da Kapulana é a Diversidade, com principais pilares que contemplam a inclusão social como: raça, gênero, mulher, deficientes, refugiados etc.
Atualmente, o catálogo da editora é composto por livros de ficção para adultos e crianças, em prosa e poesia, e científicos, particularmente da literatura africana, que tratam de questões sociais compatíveis com os valores da Kapulana.
Sob as árvores de udalas, de Chinelo Okparanta
Sob as árvores de udalas, da nigeriana Chinelo Okparanta, é uma história de amor e luta. Ijeoma após ser deslocada de sua vila natal, Ojoto, em função da Guerra Nigéria-Biafra, conhece Amina, em Nnewi, e se apaixonam. São elas de etnias diferentes — uma é Igbo e outra, Hauçá. O relacionamento entre elas não é aceito socialmente, gerando censura e repressão da família e da sociedade. Chinelo Okparanta escreve um romance ao mesmo tempo lírico e trágico, em defesa do amor e no combate contra a opressão e qualquer tipo de discriminação.
Margens e travessias, de Boaventura Cardoso
Margens e travessias, do angolano Boaventura Cardoso, é um romance cujo protagonista é o povo de Angola. Nesta história ficcional, a história da formação de Angola é contada por meio das lembranças de Kitekulu, um soba (chefe tradicional) e Manimaza, filho das águas. Suas conversas acontecem enquanto percorrem os rios de Angola e suas aldeias ribeirinhas, de forma a que os fatos e mitos de Angola, desde os tempos pré-coloniais até o período pós-independência, chegam ao leitor pela voz das personagens do romance.
Preta e mulher, de Tsitsi Dangarembga
Em Preta e mulher, conjunto de ensaios, Tsitsi Dangarembga, do Zimbábue, mergulha profundamente em questões como racismo e misoginia que deixaram marcas em sua trajetória no mundo como escritora, mulher e negra, pensadora e ativista. Sexo, raça, nacionalidade e classe são questões abordadas nesta coletânea com coragem e lucidez.
Zain
A editora Zain é música em forma de livro. Romances, contos, novelas e poesias – musicais. Filosofia, arquitetura, física e matemática – da música. É teoria, contraponto, harmonia – linguagem da música. É para quem ama música.
A senhora Pylinska e o segredo de Chopin, de Éric-Emmanuel Schmitt
Pode a música de um compositor como Chopin dar sentido a toda uma existência? Guiar decisões e caminhos de uma vida inteira
Quando criança, Éric escutou sua tia Aimée tocar uma peça do compositor polonês no piano e ficou fascinado. A prática do instrumento durante a infância e a adolescência não se mostrou suficiente, e aquela música, como a escutara pela primeira vez, ainda lhe escapava. Haveria algum segredo na música de Chopin?
Acompanhamos, ao lado do jovem protagonista, as exigentes e excêntricas aulas de piano da senhora Pylinska. Polonesa emigrada em Paris, ela dedica sua vida e suas aulas ao compositor que mais ama e adota uma metodologia nada convencional: em vez de repetições no piano, os alunos devem observar os movimentos sutis da natureza e da alma humana, passear pelo Jardim de Luxemburgo, escutar o silêncio em um quarto vazio e dedicar-se aos relacionamentos amorosos.
Aos vinte anos, estudante de filosofia em Paris e com toda uma vida pela frente, a busca de Éric pela maneira perfeita de tocar a música de Chopin e realizar seu desejo de infância ganha contornos extraordinários quando ele inicia as lições com a senhora Pylinska.
Sem perder o humor e a delicadeza, esta obra nos propõe reflexões sobre o amor, sobre relacionamentos, sobre escolhas profissionais.
Os peixes também sabem cantar, de Hálldor Laxness
Publicado em 1957, dois anos após Halldór Laxness receber o prêmio Nobel de literatura, Os peixes também sabem cantar conduz o leitor até as paisagens islandesas e os pequenos detalhes da vida cotidiana nas ruas de Reykjavík no início do século XX.
Acompanhamos a vida de Álfgrímur, um menino órfão criado pelos avós adotivos em um casebre humilde nos arredores da então futura capital da Islândia. Sua narrativa sinuosa se apoia na memória coletiva, nos mitos e nos valores compartilhados para descrever a construção de identidade, tanto individual como nacional.
A obra é, ao mesmo tempo, um romance de formação do jovem Álfgrímur e da nação islandesa. De um lado temos uma sociedade em transição na pequena ilha do Atlântico Norte que à época oscilava entre as amarras coloniais e a busca por autenticidade; do outro, um protagonista moldado pela sabedoria tradicional islandesa, mas que se vê atraído pelo brilho ilusório da fama representada por Garðar Hólm, um cantor lírico de fama internacional. Sua jornada reflete a busca por equilíbrio entre passado e futuro, entre autenticidade e validação externa, e entre tradição e modernidade, os mesmos dilemas enfrentados pela nação islandesa de então.
Com seu lirismo e sua narrativa envolvente, Halldór Laxness nos leva em uma viagem por épocas e culturas distintas. Apesar das distâncias — temporal, geográfica, cultural —, o tema da busca por identidade abre espaço para sentimentos de pertencimento e saudade, o que traz universalidade à obra e a aproxima do leitor.
Os passos perdidos, de Alejo Carpentier
Obra magistral da literatura hispano-americana e um dos mais importantes romances de Alejo Carpentier — ao lado de O Século das Luzes e A sagração da primavera —, Os passos perdidos foi publicado em 1953, inspirado, entre tantas outras experiências, nas viagens do autor pelo interior da Venezuela. Embora use nomes fictícios em alguns casos, e em outros nem mesmo dê nomes, o próprio Carpentier esclarece nas notas ao final do livro quais são (ou poderiam ter sido) alguns dos cenários do romance: o rio Orinoco, o monte Autana, a cidade de Santa Elena de Uairén — a paisagem venezuelana.
Adentra-se nestas páginas como em uma selva, no encalço dos passos de seu protagonista-narrador, um musicólogo e compositor que, buscando escapar de uma existência vazia na cidade, aceita o encargo de rastrear instrumentos musicais indígenas na selva sul-americana. Nessa jornada aparentemente reversa, que parte de uma grande metrópole para desembocar na natureza bruta, ele percorre também o próprio tempo, uma constante na obra carpentiana. Passado e presente se misturam nesta viagem de regresso às origens com o intuito de chegar à época da invenção da linguagem e das suas primeiras formas — às raízes do mundo e da criação musical pura.
Espécie de Odisseu moderno que adentra o desconhecido e perigoso mundo da selva, o protagonista narra e reflete sobre a própria vida, com suas aflições, seus vazios e, principalmente, seus martírios. Emergem, então, outros dois arquétipos que perpassam a obra: Sísifo e Prometeu — os castigados.
Com uma linguagem riquíssima e fascinante, Alejo Carpentier porta o leitor selva adentro em uma travessia que vai além do espaço-tempo: é também uma viagem literária. Os ornamentos e floreios de uma escrita em seu ápice evocam centenas de referências textuais: obras de arte, objetos e culturas distantes, fatos históricos e seus protagonistas, obras literárias, etc. Uma selva textual.
Boas leituras!