A newsletter de hoje é inspirada pela Julia, a nova integrante da equipe da Ponta de Lança. Ela estuda tradução e coreano e, com a sua chegada, vários livros coreanos traduzidos para o português também vieram para o nosso espaço. Por isso, elegemos aqui alguns deles, como sugestão de leitura para o fim de semana que virá chuvoso.
Pachinko, de Min Jin Lee
No início dos anos 1900, a adolescente Sunja, filha adorada de um pescador aleijado, apaixona- se perdidamente por um rico forasteiro na costa perto de sua casa, na Coreia. Esse homem promete o mundo a ela, mas, quando descobre que está grávida ― e que seu amado é casado ―, Sunja se recusa a ser comprada. Em vez disso, aceita o pedido de casamento de um homem gentil e doente, um pastor que está de passagem pelo vilarejo, rumo ao Japão. A decisão de abandonar o lar e rejeitar o poderoso pai de seu filho dá início a uma saga dramática que se desdobrará ao longo de gerações por quase cem anos.
Neste romance movido pelas batalhas enfrentadas por imigrantes, os salões de pachinko ― o jogo de caça-níqueis onipresente em todo o Japão ― são o ponto de convergência das preocupações centrais da história: identidade, pátria e pertencimento. Para a população coreana no Japão, discriminada e excluída — como Sunja e seus descendentes —, os salões são o principal meio de conseguir trabalho e tentar acumular algum dinheiro.
Uma grande história de amor, Pachinko é também um tributo aos sacrifícios, à ambição e à lealdade de milhares de estrangeiros desterrados. Das movimentadas ruas dos mercados aos corredores das mais prestigiadas universidades do Japão, passando pelos salões de aposta do submundo do crime, os personagens complexos e passionais deste livro sobrevivem e tentam prosperar, indiferentes ao grande arco da história.
A história também foi adaptada para a televisão, em uma série que recebeu boas críticas — vale a pena ler e, depois, assistir. Aqui, o trailer:
Sobre minha filha, de Kim Hye-Jin
Neste romance comovente da sul-coreana Kim Hye-jin, a protagonista, uma cuidadora de idosos, é uma mulher exemplar aos olhos da sociedade. Viúva de um casamento dentro dos padrões, criou a filha para seguir as tradições — casar, formar uma família e desfrutar de uma casa própria e um bom salário — e não perturbar seus planos de aposentadoria sem sobressaltos. Mas tudo sai do eixo quando Green se assume lésbica e, sem emprego fixo ou renda para pagar o aluguel, volta para a casa da mãe com a namorada.
Envolta em culpa e arrependimentos, a mãe encara a situação de modo pouco generoso, inclusive consigo mesma. Mas até onde a filha realmente se distanciou do projeto de vida que a mãe sonhou pra ela? Enquanto Green luta contra a homofobia na universidade em que atua como professora horista, a mãe entra num embate contra os métodos desumanos de administração da clínica em que trabalha. Se o choque de gerações afasta, a partilha de certos valores une as duas.
Sobre minha filha é um romance profundamente honesto a respeito da intensidade dos laços de família, mas não só. Conhecida por retratar de forma compassiva o sofrimento silencioso dos oprimidos, Kim Hye-jin traça um panorama da classe média sul-coreana e evidencia a falta de mobilidade social de uma sociedade que vê seus índices de pobreza aumentando a cada dia. Nela, viver com dignidade é em si só tarefa árdua, que exige que mãe e filha superem as diferenças e o ressentimento para acolher uma à outra.
A Espera, de Keum Suk Gendry-Kim
Keum Suk Gendry-Kim, a premiada autora sul-coreana de Grama, apresenta sua nova graphic novel a tratar dos males da guerra: A Espera. A obra surgiu de uma revelação que a artista teve em seu núcleo familiar: sua própria mãe foi separada da irmã durante a Guerra da Coreia. Keum veio a descobrir depois que não se tratava de algo tão incomum entre o povo coreano, cuja vida foi completamente alterada quando Sul e Norte se lançaram em um combate armado, nos anos 1950. A partir de entrevistas com sua mãe e outras vítimas de separações forçadas, nasceu A Espera, obra que assume contornos documentais e pessoais caros à autora e que influenciaram o direcionamento deste emocionante quadrinho.
Jina é uma romancista, filha de Gwija, uma senhora coreana que, aos dezessete anos, foi obrigada a se casar com alguém que não conhecia para escapar do destino cruel de servir às tropas japonesas como “mulher de conforto”, na Segunda Guerra Sino-Japonesa. Apesar do casamento forçado, Gwija encontra a felicidade; mas ela durou pouco. Separada do marido e do filho durante a Guerra da Coreia, ela consegue chegar ao Sul e começar uma nova família, porém, sem jamais se esquecer da antiga.
Anos depois, Jina promete ajudar a mãe a encontrar seus amores de outrora, só que, tendo se passado 70 anos desde a trágica separação, essa espera torna-se cada vez mais aflitiva e desesperançada. Gwija, agora uma idosa de saúde frágil, vê-se cada vez mais distante do sonho de rever seus entes queridos e de fazer as pazes com o passado.
A vegetariana, de Han Kang
“Eu tive um sonho”, diz Yeonghye, e desse sonho de sangue e escuros bosques nasce uma recusa radical: deixar de comer, cozinhar e servir carne. É o primeiro estágio de um desapego em três atos, um caminho muito particular de transcendência destrutiva que parece infectar todos à sua volta. A vegetariana tem sido apontado como um dos livros mais importantes da ficção contemporânea. Uma história sobre rebelião, tabu, violência e erotismo escrita com a clareza atordoante das melhores e mais aterradoras fábulas. A tradução, diretamente do coreano, restitui o estranhamento do original.
Em certas ocasiões cheguei a pensar que não era tão ruim assim viver com uma mulher esquisita. Vivíamos como dois estranhos. Estranhos, não: ela era como uma irmã, que faz comida e faxina a casa. Ou uma criada mesmo. Mas na minha idade, apesar do casamento morno, ficar em abstinência sexual por muito tempo era difícil de aguentar. Nas noites em que voltava tarde depois de algum jantar de negócios, eu me jogava sobre ela, com a desculpa da embriaguez. Chegava até a sentir uma inesperada excitação ao tirar a calça dela, segurando seus braços, que resistiam. Dizia-lhe obscenidades a meia voz; ela resistia bravamente, mas a cada três tentativas eu conseguia penetrá-la ao menos uma vez. Durante a penetração, ela ficava olhando para o teto em meio ao escuro, com uma expressão vazia, como se fosse uma escrava sexual forçada a isso em tempos de guerra. Assim que eu terminava, ela se deitava de lado, me dando as costas, e escondia o rosto com o lençol. Em seguida, eu entrava no banho, e ela parecia se limpar. Quando eu voltava para a cama, ela já estava outra vez deitada de barriga para cima, com os olhos fechados, como se nada tivesse acontecido. Então me vinha uma inexplicável sensação de que algo ruim ia acontecer. Nunca fui do tipo de ter esses achaques, mas o silêncio e a escuridão do quarto me davam calafrios.
Amêndoas, de Won-Pyung Sohn
Yunjae nasceu com uma condição neurológica chamada alexitimia, ou a incapacidade de identificar e expressar sentimentos, como medo, tristeza, desejo ou raiva. Ele não tem amigos — as duas estruturas em forma de amêndoas localizadas no fundo de seu cérebro causaram isso —, mas a mãe e a avó lhe proporcionam uma vida segura e tranquila. O pequeno apartamento em que moram, acima do sebo da mãe, é decorado com cartazes coloridos com lembretes de quando sorrir, quando agradecer e quando demonstrar preocupação. Então, no seu décimo sexto aniversário, véspera de Natal, tudo muda. Um ato chocante de violência destrói tudo que Yunjae conhece, deixando-o sozinho. Lutando para lidar com a perda, o garoto se isola no silêncio, até a chegada do problemático colega de escola Gon. Conforme começa a se abrir para novas pessoas, algo se modifica lentamente dentro dele. Quando suas novas amizades passam a apresentar níveis de complexidade, Yunjae precisará aprender a lidar com um mundo que não compreende e até se colocar em risco para sair de sua zona de conforto.
Eu tenho amêndoas em mim. Assim como você. Assim como quem você ama e quem odeia. Mas ninguém consegue senti-las. Você só sabe que elas existem. Esta história é, em resumo, sobre um monstro encontrando outro monstro. Um dos monstros sou eu.
Bem-Vindos À Livraria Hyunam-Dong, de Hwang Bo-Reum
Uma livraria comum num bairro pitoresco poderia passar despercebida. Mas a Livraria Hyunam-dong não é como as outras. Yeongju tem se sentido desmotivada. Sua vida se tornou uma sucessão de frustrações e ela sente um vazio eterno no peito. Cansada de viver assim, ela decide deixar tudo para trás e colocar em prática um antigo sonho: abrir uma livraria. Desde a infância, Yeongju encontra conforto nos livros, e abrir uma livraria parece ser a solução ideal para os seus problemas. Mas começar um negócio nunca é fácil, e ela precisa aprender que ser uma amante dos livros não é o suficiente para tornar o seu sonho realidade.
Conforme vai entendendo como administrar uma livraria, Yeongju também descobre mais sobre si mesma e quem ela quer ser. Cercada por livros, ela encontra um novo significado para a vida à medida que a Livraria Hyunam-dong se transforma em um espaço convidativo para que almas feridas descansem, se curem e descubram o que realmente importa. E quando os clientes começam a se sentir confortáveis para compartilhar suas histórias, experiências, esperanças e emoções naquele espaço, Yeongju finalmente sente que encontrou o seu lugar.
Repleto de diálogos sinceros e profundos, Bem-vindos à Livraria Hyunam-dong é uma história emocionante sobre os momentos decisivos da nossa vida e como os livros são capazes de curar feridas e mudar as pessoas.
Castella, de Min-Gyu Park
Tido como um dos mais inovadores expoentes da literatura coreana moderna, Park Min-Gyu espanta os leitores com sua escrita criativa, cheia de elementos fantásticos. Com uma linguagem coloquial e, ao mesmo tempo, literária, o caráter lúdico de sua escrita, misturado com uma boa dose de cinismo e ironia, presenteia os leitores de Castella com contos que revelam as idiossincrasias e a desigualdade social na Coreia do Sul, mas que transcendem o espaço físico da península, reverberando até nossas encostas tropicais brasileiras.
Sete Anos de Escuridão, de You-Jeong Jeong
Sowon é um jovem órfão que vive como nômade pela Coreia do Sul. Seu maior desejo é se ver livre de um passado devastador: há sete anos, seu pai, Choi Hyonsu, foi acusado de cometer uma série de assassinatos. Rotulado como "o filho do psicopata", Sowon parece fadado a pagar pelos crimes do pai infinitamente. Um dia, contudo, o rapaz recebe um manuscrito anônimo, contendo a decifração da tragédia que emoldurou sua vida.
E essa é a nossa newsletter de hoje.
Boas leituras!