Ar seco, temperaturas lá em cima, céu acinzentado e pôr do sol com luz estranha: essa é a aparência quase apocalíptica da emergência climática que se alastrou pelo Brasil nessas últimas semanas. Mais de 60% do território brasileiro está coberto de fumaça, oriunda dos dezenas de milhares de focos de incêndios que têm pipocado em todas as regiões do país. Apesar do fenômeno das queimadas — principalmente as intencionais, sintomas do agronegócio — não ser nenhuma novidade, a intensidade e a coordenação dessa nova onda de fogo apenas demonstram a necessidade de estudarmos, planejarmos e aplicarmos novas políticas para enfrentar a crise climática em todas as suas facetas.
Este boletim é só o começo.
O silêncio da motoserra - Quando o Brasil decidiu salvar a Amazônia, de Claudio Angelo e Tasso Azevedo
Parar a devastação da Amazônia é um feito possível e um imperativo ético. Esta obra fundamental narra o momento em que alcançamos a maior redução de desmatamento da história e revela a dimensão do desafio de preservar a floresta.
O silêncio da motosserra é fruto da parceria de dois observadores privilegiados da floresta amazônica: o jornalista Claudio Angelo, que cobre questões ambientais desde a virada do século, e o engenheiro florestal Tasso Azevedo, principal arquiteto do Fundo Amazônia e de outras políticas e iniciativas fundamentais para o controle do desmatamento.
Com uma narrativa cativante, os autores nos contam como, entre 2005 e 2012, o Brasil promoveu uma redução sem precedentes nos níveis de devastação na Amazônia, que foi causa e consequência de uma revolução na forma como encaramos a proteção desse ecossistema -- e tornou o Brasil um país imprescindível para a luta contra o aquecimento da Terra.
Reunindo extensa pesquisa documental e cerca de duzentas entrevistas com figuras centrais da história recente da Amazônia, desde cientistas e ativistas a lideranças indígenas e ex-presidentes da República, os autores detalham esse processo que, partindo de décadas de devastação desenfreada, repercute até o momento decisivo para o enfrentamento da crise climática: o presente.
Contra fogo, de Pablo Casella
Um grupo de brigadistas voluntários, entre eles Cunga, Zia, Trote, Jotão, Adobim, Firóso e Abner, mais o cachorro Mutuca, são liderados por Deja, narrador deste romance. Moradores da região da Chapada Diamantina, na Bahia, eles arriscam a própria vida para deter o avanço descontrolado das chamas que devoram a fauna, a flora e os rios. Sem poder aguardar a ação das autoridades burocráticas, eles aprenderam a apartar a briga do fogo com a terra na marra. Sobretudo nos tempos de seca, em que se enfiam nas matas por dias e dias, sem descanso. Cada um desses personagens expande ao seu modo esse universo peculiar, mas é a visão de Deja, personagem principal, que torna tudo complexo e vivo.
Uma ecologia decolonial – Pensar a partir do mundo caribenho, de Malcom Ferdinand
É para cuidar da ferida aberta pelas inúmeras crises engendradas pelo sistema capitalista que o martinicano Malcom Ferdinand propõe uma ecologia decolonial, uma abordagem interseccional extremamente sagaz que reúne o ecológico com o pensamento decolonial, antirracista, em uma crítica contundente ao “habitar colonial da Terra”.
Nesta análise urgente, Ferdinand critica o que chama de “dupla fratura colonial e ambiental da modernidade”, de que resultam, por um lado, as teorias ecologistas que desconsideram o legado do colonialismo e da escravidão; por outro, os movimentos sociais e antirracistas que negligenciam a questão animal e ambiental. Como mostra o autor, tal fratura só enfraquece as demandas desses movimentos, uma vez que a exploração do ser humano e da natureza caminham lado a lado.
Para tanto, escolhe como centro de seu pensamento as regiões caribenhas, com seus modos de vida crioulos e suas formas de resistência – entre elas a marronagem, uma estratégia de aquilombamento para fora do mundo colonial. Com um prefácio de Angela Davis que situa historicamente o conceito de justiça ambiental, esta obra oferece uma aproximação para pensar um navio-mundo que não mais atire algumas pessoas no porão, condenando-as a uma sobrevida precária sujeita a doenças, fome e morte, enquanto oferece a outras a perspectiva de uma viagem segura e lucrativa no convés, possibilitada justamente pelo assujeitamento daqueles no porão.
Lutar com a floresta: uma ecologia política do martírio em defesa da Amazônia, de Felipe Milanez
Zé Cláudio e Maria foram assassinados em 2011, enquanto se deslocavam de moto por uma estrada vicinal nas redondezas do Projeto Agroextrativista Praialta-Piranheira, em Nova Ipixuna, no Pará. Um crime exaustivamente anunciado, não apenas pelo consórcio de madeireiros, carvoeiros, pecuaristas e fazendeiros descontente com a atuação do casal em defesa da natureza, mas pelas próprias vítimas, que em inúmeras ocasiões denunciaram a iminência da própria morte. Todos os níveis do poder público atuante na localidade sabiam das ameaças sofridas por Zé Cláudio e Maria, que ao longo dos anos tiveram o trabalho de sistematizar informações e notificar as autoridades sobre as violações das leis ambientais e fundiárias cometidas na terra onde moravam — e que defendiam. Até mesmo a ministra do Meio Ambiente naquele então, Marina Silva, havia sido alertada, em carta, pela dupla. Ao Estado não faltaram oportunidades de agir — o que, lamentavelmente, só aconteceu depois que as ameaças se concretizaram em tiros de espingarda cartucheira, durante uma emboscada.
Eis um brevíssimo resumo do que Felipe Milanez conseguiu reunir em Lutar com a floresta: uma ecologia política do martírio em defesa da Amazônia. Infelizmente, Zé Cláudio e Maria são apenas duas das centenas de pessoas que já perderam a vida na tentativa de barrar o avanço desenfreado do progresso sobre a floresta. O ativismo do casal não era apenas discurso; era o seu dia a dia no assentamento agroextrativista. Enquanto muitos vizinhos (motivados pelo sonho quimérico de enriquecer rápido e virar patrão, mas que acabam se tornando escravos do sistema) desmatavam a terra recebida do governo por meio do projeto agroextrativista, Zé Cláudio e Maria perceberam desde cedo a riqueza produzida pela floresta em pé — e a autonomia de vida que ela possibilitava. A derrubada na região seguia um roteiro conhecido. As madeiras mais nobres, como a castanheira — uma das protagonistas desta história —, eram vendidas ilegalmente para serrarias irregulares. As árvores sem valor moveleiro se transformavam em carvão vegetal, comprado imediatamente pelas chamadas “guseiras” para alimentar os fornos que fundem o minério extraído das ricas jazidas paraenses, dos quais saem milhares de toneladas de ferro gusa para exportação. Com o terreno pelado, procede-se à plantação de capim. Depois, vem o boi, que ocupa a área até que um dia chegue a soja.
Zé Cláudio e Maria resistiram bravamente a esse ciclo que passou a estruturar a economia brasileira nas últimas décadas. Ao neoextrativismo predatório das commodities, o casal contrapunha o extrativismo popular e a convivência com a floresta. Das castanheiras, colhiam e vendiam o fruto, o qual aprenderam a transformar em óleo, agregando valor ao que a natureza lhes dava. Preservando, plantando e colhendo outros produtos da floresta, como cupuaçu, açaí e andiroba, construíram uma vida boa — um bem viver. Contudo, tinham plena consciência de que outros lotes do projeto agroextrativista também deveriam ser preservados, seja por uma questão de sobrevivência de todos os assentados, seja porque desmatar dentro da área é ilegal. Daí que jamais tenham se contentado em agir ecologicamente dentro do próprio quintal. Anos de ativismo e denúncia (com a parceria de organizações sindicais e da sociedade civil, mas desamparados pelas autoridades) resultaram em um desfecho trágico. O exemplo, porém, ficou. Se nunca existiu justificativa para a destruição dos ecossistemas brasileiros, agora, quando a crise climática deixou de ser uma mera previsão para se transformar em uma tórrida realidade, não há mais qualquer desculpa para continuarmos assistindo ao avanço da mineração e do agronegócio — ambos precedidos, sempre, pelo desmatamento — sobre o que resta de nossas matas nativas.
Lutar com a floresta é um livro essencial para que a preservação não fique apenas no discurso, pois demonstra que é perfeitamente possível aos seres humanos conviverem com a natureza de maneira respeitosa, harmoniosa e digna, com benefícios para todos os envolvidos. Que o triângulo amoroso subjacente a essa história — entre Zé Claudio, Maria e a Majestosa — possa inspirar cada leitor e cada leitora a pensar, de uma vez por todas, fora da caixinha do desenvolvimento.
Agroecologia – bases científicas para uma agricultura sustentável, de Miguel Altieri
Desde sua publicação, o livro de Miguel Altieri exerceu forte influência na disseminação da Agroecologia no Brasil, tendo sido adotado como obra de referência por profissionais de ONGs e instituições oficiais de ensino, de pesquisa e de extensão rural.
A Agroecologia vem sendo assimilada como referência em projetos e programas de variados órgãos dos governos federal, estaduais e municipais. Na área da educação formal, já se contabilizam mais de uma centena de cursos de Agroecologia ou com diferentes acercamentos ao enfoque agroecológico, abrangendo desde o nível médio e superior até iniciativas de mestrado e linhas de pesquisa em programas de doutorado. Outra importante evolução nessa área veio com a criação de mais de cem núcleos de Agroecologia que integram professores e estudantes do ensino médio e/ou universitário em fecundos ambientes de aprendizagem proporcionados pela interação com comunidades rurais.
Esperamos que a publicação desta terceira edição contribua para o processo de internalização do paradigma agroecológico nas instituições que incidem sobre os rumos do desenvolvimento rural. Para compô-la, propusemos ao autor uma remodelação da edição anterior com o objetivo de atualizar a obra para o presente contexto de construção da Agroecologia no Brasil. Nessa reformatação, introduzimos uma primeira seção que apresenta uma crítica à agricultura industrial elaborada sob o prisma agroecológico. Nela são abordadas as inovações no regime sociotécnico dominante efetuadas nas últimas décadas, com o advento da transgenia em escala comercial e com a expansão das monoculturas voltadas à produção de agrocombustíveis. As segunda e terceira seções enfocam conceitos e métodos para o manejo dos agroecossistemas e correspondem aos conteúdos já apresentados nas edições anteriores. Alguns dos capítulos publicados anteriormente foram substituídos por textos mais recentes do autor.
A última seção contempla uma questão central no avanço da perspectiva agroecológica na sociedade: o reconhecimento e a promoção da agricultura familiar camponesa como a base social da agricultura sustentável. A agricultura camponesa constrói o seu progresso com base na valorização dos recursos localmente disponíveis, não dependendo por isso de aportes sistemáticos de energia, materiais e conhecimentos externos. Assim construído, o desenvolvimento da agricultura familiar contribui diretamente para o desenvolvimento da sociedade em que ela está inserida, já que desempenha variadas funções de interesse público, dentre as quais se destacam a produção de alimentos em quantidade, qualidade e diversidade; a conservação dos recursos naturais; a geração de postos de trabalhos dignos; a conservação e a revitalização das culturas rurais; e a dinamização econômica do mundo rural.
Um altar que se coma, de Ana Luiza Braga
Um altar que se coma demonstra um embate. De um lado, a agricultura monocultural e extrativismo. De outro, a dimensão ecológica das espacialidades e socialidades dos povos tradicionais. Estruturados em consideração à prática da agrofloresta sucessional e a partir de vínculos entre “os estudos da subjetividade e as práticas agroflorestais”, estes ensaios acompanham os “movimentos pulsionais que impelem ao ressurgimento da floresta e à multiplicidade virtual”.
Banzeiro Òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo, de Eliane Brum
Eliane Brum mescla relato pessoal e investigação jornalística para escrever um livro urgente de denúncia e em defesa da Amazônia, lugar que adotou como casa e de cuja luta pela sobrevivência participa ativamente.
Escritora, jornalista e documentarista, Eliane Brum faz um mergulho profundo nas múltiplas realidades da maior floresta tropical do planeta. Com quase 35 anos de experiência como repórter, há mais de vinte ela percorre diferentes Amazônias. Em 2017, adotou a floresta como casa ao se mudar de São Paulo para Altamira, epicentro de destruição e uma das mais violentas cidades do Brasil desde que a hidrelétrica de Belo Monte foi implantada.
A partir de rigorosa pesquisa, Brum denuncia a escalada de devastação que leva a floresta aceleradamente ao ponto de não retorno. E vai mais além ao refletir sobre o impacto das ações da minoria dominante que levaram o mundo ao colapso climático e à sexta extinção em massa de espécies. Neste percurso às vezes fascinante, às vezes aterrador, a autora cruza com vários seres da floresta e mostra como raça, classe e gênero estão implicados no destino da Amazônia e da Terra.
Um livro imprescindível para quem tem a coragem de buscar respostas para o tempo de urgência que vivemos, escrito por quem não teme se arriscar para buscá-las.
Dicionário de Agroecologia e Educação
O Dicionário de Agroecologia e Educação – uma produção da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV-Fiocruz), coordenada com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e em parceria com a Editora Expressão Popular, traz a relação entre conhecimento e prática presente na perspectiva da Agroecologia, na qual só pode se realizar plenamente a partir da Educação. E é este o principal objetivo desta obra que dialoga com os desafios da atualidade. A insegurança alimentar permanece como um dos principais problemas da sociedade contemporânea e é uma das faces da crescente desigualdade social. Essa reflexão, associada à crítica a um modelo de desenvolvimento baseado no lucro imediato e que esgota os recursos naturais, está na base do debate contemporâneo sobre Agroecologia, um dos fundamentos para um desenvolvimento efetivamente sustentável.
O decênio decisivo: propostas para uma política de sobrevivência, de Luiz Marques
O decênio decisivo reúne, com grande rigor científico, uma quantidade imensa de dados que estão na fronteira do conhecimento acerca dos impactos das mudanças climáticas sobre a vida na Terra, apontando o futuro excruciante que virá caso não rompamos com os pilares do capitalismo contemporâneo, e elencando as possibilidades de ação imediata para evitar que a catástrofe seja ainda maior. Da leitura, depreende-se que o momento presente é o mais crucial de nossa história como espécie, pois é agora que decidiremos, coletivamente, as chances de sobrevivência do projeto humano.
Boas leituras.